segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ao som de violinos


Na quinta-feira fiz uma viagem de trem diferente.

Não, calma! Não foi no Expresso Oriente (que já nem existe mais, infelizmente), foi por aqui mesmo, na linha C, o Jurubatuba .

Andei no trenzinho espanhol, aquele que só tem quatro vagões. Embora tenha sido uma viagem bem rápida, sabe o que marcou? Ter andado num trem limpo, com ar condicionado e ao som de violinos.

É isso mesmo. O trenzinho espanhol, embora transporte os mesmos passageiros da linha B (Itapevi à Julio Prestes e de outras linhas também, claro), possui um aspecto bem diferente. Ele é limpinho, bonito, tem ar condicionado e som ambiente. Nesse dia, viajamos ao som de violinos.

Aquilo me chamou muito a atenção. Primeiro por ter ouvido aquele som diferente, que você não ouve em lugar nenhum e jamais espera ouvir dentro de um trem. Segundo porque me fez refletir sobre outros aspectos daquele meio de transporte em particular.

Esse trenzinho, nos horários de pico, vai e volta extremamente lotado. Ele é pequeno, tem menos vagões e mesmo que o intervalo de tempo entre um e outro seja menor, ele ainda é insuficiente para transportar com o mínimo de dignidade todas essas pessoas que o utilizam diariamente. Há dias em que a estação de Osasco fica completamente tomada por pessoas à espera dele e que não conseguem entrar. No entanto, ele é limpo e bem mais conservado que o da linha B, por exemplo. Por que será?

O trem da linha B é feio, mas até que dá pra aturar. Sei que há linhas aí que, realmente, é um milagre que ainda circulem. Mesmo assim, é mal conservado, janelas tortas, quebradas, rabiscado e propagador de muitos, muitos chiados. Não é limpo, claro, mas também não é um chiqueiro. Mas me deixa “incucada” essa diferença de ambiente freqüentado, basicamente, pelo mesmo público. A mesma coisa eu observo no Metrô. Quanta diferença!

Os usuários do Metrô são os mesmos dos trens, e como é que ele (o Metrô) é tão bonitinho, gostosinho, limpinho e moderno? O que leva uma pessoa conservar um e contribuir para a deterioração do outro? Com o trenzinho da linha C é isso também...

Que pena que só por uma vez ou outra eu tenho o prazer de usar uma condução ao som de violinos. A chiadeira da linha B não é nada agradável assim, e nem tem ar condicionado. Mas anda né... então, sigamos em frente! A CPTM está renovando a frota aos pouquinhos, quem sabe um dia chega a nossa vez.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Ameixeiras

(Peguei essa imagem de http://www.iac.sp.gov.br/Centros/Fruticultura/FRUTIFERAS/Nespera.htm)

Eles vivem pulando as plataformas, os muros, correndo entre as linhas do trem e entrando pelas janelas dos vagões. Eles vivem correndo dos guardas. Será que nunca tiveram a idéia, ou mesmo a vontade, de experimentar as ameixas?

Eu fico olhando os pés de ameixa, amarelos que estão de tão carregados, na beira da linha na estação de Presidente Altino e minha boca enche d’água. As ameixas me fazem lembrar da infância, quando o quintal era diferente do que é agora e a nossa ameixeira ainda ficava de frente para a porta da cozinha. Ela vivia carregada como essas da estação, e nós vivíamos debaixo dela. Ao mesmo tempo em que saboreávamos, brincávamos. A minha balança de corda e tábua ficava amarrada naqueles galhos, e lá podíamos voar bem alto.

Parada em frente às ameixeiras de Altino eu fico lembrando e morrendo de vontade de pular a plataforma pra pegar um cachinho daquele pra mim e rememorar. Será que ninguém faz isso? Nem os funcionários? Elas estão estragando!

Parece que leram meus pensamentos. Outro dia vi dois funcionários da CPTM parados embaixo delas sentindo esse gosto de interior que só quem já viveu sabe. De um pé ao outro eles iam experimentando, tão amarelinhas, as ameixas que eu fico namorando de cima da plataforma. Um deles foi mais longe, queria as do alto. Não pensou duas vezes: agarrou-se nos galhos e subiu, sumiu por entre as folhas e lá ficou, se mexendo e se deliciando com as ameixas maduras em meio a um lugar que, sem elas, parecia tão frio e impessoal. De repente, ficou parecendo o quintal de casa, naquele tempo...

Poucos dias depois, vi que não é só minha e do pessoal da CPTM a vontade das ameixas. Três moços que acabavam de chegar à estação, de frente para as ameixeiras, manifestaram a mesma vontade. “Vamos lá comer ameixa? Olha quantas!”. Eles já estavam quase pulando para a linha. Irresistível mesmo! Um pé já estava pendurado para o lado de fora do concreto. Queria eu seguir esse impulso... mas nem eles seguiram, e assim como eu, ficaram na vontade, intimidados pela presença do azulzinho (o guarda da estação), que olhava de longe. Sim, seria uma infração pular, mesmo que seduzidos pelas ameixas simplesmente, mas eu garanto que ele entendeu aquela vontade.

O trem chegou. Mais uma vez vou embora com a lembrança do gosto de ameixa na boca e no coração. E elas, amarelas, despedem-se, saborosas e poéticas, de quem olha pela janela. Os trens da capital carregam mais pessoas do interior do que se imagina.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Chega a segunda-feira, e com ela as avarias

Desconheço os autores das fotos. Retirei do site www.tremdedoido.cjb.net

A segunda-feira, dia internacional do desgosto, consegue ser “empacada” desde os primeiros raios de sol para quem anda de trem. Não raramente, bem na segundona brava, os trens resolvem dar “crepe”.

É incrível a incidência de imprevistos nos trens da CPTM justo na segunda-feira. Não que esses imprevistos deixem de acontecer nos outros dias da semana - no trem, todo dia é dia de contratempo -, mas é que frequentemente temos surpresas (nada agradáveis) no caminho para o trabalho bem nesse dia crucial.

O resultado é sempre o mesmo: uma multidão de gente (com muita preguiça) chegando atrasada ao trabalho, mal humorada e dolorida. Sim, dolorida mesmo! Ou você acha que permanecer por horas dentro de um trem mais do que lotado, com o número de passageiros dobrado devido o atraso e o transtorno, sem poder se mexer e mudar de posição, é coisa pouca?

O desespero para sair da lata com rodas é tanto, que cada estação que passa torna-se uma ponte do rio que cai... balança, balança e parece a eternidade! E quando o trem pára, e todas aquelas pessoas lá de fora querem entrar – todas as que vão se acumulando entre passageiros do trem que quebrou e do trem que era pra ter vindo e não veio – dá mais desespero ainda. “Oh!!! Eu só queria descer meu braço, mudar de mão... só queria poder mexer algum músculo”. Se alguém que está sentado, pelo menos, se oferecesse para carregar a bolsa ou a sacola... seria de grande valia! Mas não... ninguém se toca!

E quando a sua estação está próxima, há duas preocupações: como acordar os músculos dormentes e doídos... e como conseguir sair do vagão agora?

É tudo um processo de sucção. Quando você precisa entrar, e junto com você uma multidão logo atrás com a mesma intenção, você só precisa se deixar levar. Em segundos estará dentro do vagão graças ao empurrão coletivo, e uma vez lá dentro, será conduzido sem fazer força. Você é automaticamente sugado pra dentro do trem... e quase pra dentro de alguém também, porque até hoje eu não entendo como cabe tanta gente em um espaço tão pequeno como o corredor de um vagão.

Sair? Ah... o difícil é chegar até a porta. Não, o difícil mesmo é conseguir se mexer, para então tentar se mover e chegar até a porta. Uma vez lá, não se preocupe: você é cuspido. E pronto! Quando vê, já está a caminho do trabalho... amassado, quebrado e puto da vida!

E como se não bastasse, a “viagem” (em todo e qualquer sentido da palavra) é conduzida ao som de “Frases de maquinista - minutos de sabedoria SÓ DELES”:

“Atenção:

Estamos aguardando ordem de partida do centro de comandos devido avarias em material rodante”.


Pode, ou quer mais?

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Diferença de horário significa... ainda mais aperto!














Minha vida de passageira de trem nunca mais foi a mesma desde que mudei de horário.

No trem das 8h30 não é bem assim. Há mais ação, mais "figuras", mais movimento, mais comédia. Mais espanto também, claro. Agora tudo mudou. Esse trem das 6h30 eu intitulo como "sonolento".

Sim, a essa hora do dia que ainda nem acabou de nascer o clima é diferente. O trem é bem mais lotado, as pessoas bem mais silenciosas e fechadas (talvez mal humoradas) e a disputa por um lugar vago é ainda mais intensa. Se alguém pensar em desocupar o banco, não adianta tentar disputar, com certeza já tem outro em cima - o mais próximo, lógico -, pronto para ocupar um lugar que ainda nem está vago. Grávidas, idosos e doentes não tem vez nesse horário. Deve até ser por isso que a incidência de pessoas nessas condições é praticamente nula nesse "período do trem".

Quem não está efetivamente dormindo, finge muito bem. Todos os sentados ficam "encurujados", ainda mais nesses dias frios. Todos encolhidos e indiferentes, enquanto o número de passageiros só aumenta. O número de pessoas que descem nas estações é sempre, sempre infinitamente menor do que as que sobem. O destino é São Paulo, não tem jeito. Osasco ajuda, claro, mas não como a Barra Funda... essa é absoluta!

Ontem (12/07) foi a primeira vez que ouvi a seguinte mensagem: "Atenção: senhores passageiros, acaba de partir um trem da estação de Carapicuíba com melhores condições de embarque". Basedo na mensagem dá pra imaginar como estava o trem - completamente lotado, mas o povo entra... sempre cabe mais um!

Eu, passageira dos últimos vagões - antepenúltimo, penúltimo e último -, fico espantada em ver como até esses ficam tão lotados. Normalmente, os vagões do meio do trem são os em estado mais periclitante, difícil saber até como as pessoas respiram e reconhecem as partes de seu próprio corpo lá dentro (especialmente depois de estações como Carapicuíba, Osasco e Presidente Altino), enquanto que os do fundo vão tranquilos e com espaço de sobra, tanto quanto os primeiros.

Mas nesse horário das 6h, 6h30, até às 7h30, mais ou menos, a coisa é diferente. O público é bem maior, e o aperto da foto acima, ainda assim, não é tão aperto assim... é que hoje é sexta! Viva!


Ps: qualquer dia eu retrato a situação do pessoal que usa o "trenzinho", aquele que sai de Osasco e vai até Jurubatuba. Aquilo é inacreditável! E esse diminutivo não é à toa... esse trem tem só 4 vagões (o trenzão tem 12!!!). E olha que o número de usuários está longe de ser menor...

quarta-feira, 27 de junho de 2007

De carona


O céu deve estar muito congestionado mesmo. Só pode ser!

Sem opção, bichinhos voadores acabam optando por outro meio de transporte, algo que os leve até uma parte de seu caminho sem surpresas desagradáveis. Neste caso, o trem é uma boa opção, pelo menos na linha do trem não há congestionamento. Será?

Outro dia uma pomba entrou no trem em movimento. Teria ela sido engolida pela pressão do ar, o mesmo ar que divide com tanta coisa estranha? Ou estava passando, distraída, e, quando viu, estava dentro do vagão? Ou então tinha mesmo a intenção de descansar as asinhas, pegando carona?

Se a resposta escolhida for a da última opção, definitivamente a pombinha não conseguiu descansar as asas. Aliás, as cansou muito mais, e deixou, de brinde, algumas penas para trás.

Perdida dentro do vagão, a pomba voava desesperada, mas as pessoas lá dentro deram um show de histerismo. Mulheres sim, mas pior: os homens também! Todos se apavoravam quando o bichinho desnorteado se aproximava, tentando achar um cantinho para pousar e entender o que estava acontecendo.

A agitação das pessoas fazia com que a pombinha se movimentasse ainda mais rápido pelos corredores do trem, atrapalhada, desmantelada. Houve um momento em que parou no ferro, como se fosse o galho de uma árvore, e ficou, enquanto quem estava embaixo se encolhia. Ela levantou vôo novamente. E as pessoas gritaram novamente.

Uma cena destas é cômica, verdade! Mas também dá vergonha. Pôxa, é apenas uma pomba! Uma pombinha, símbolo da paz, que entrou no lugar errado. Quem deveria estar mais apavorado? Os passageiros ou a pomba?

Os homens estavam mais medrosos, mais covardes diante do bicho de penas. Menos um. Quando a coitadinha tentou sair pela janela, acabou batendo e parou no beiral do vidro. Ele, que tudo via lá da ponta, de camarote, e ria e se escandalizava em silêncio com o burburinho barulhento no resto do vagão, pegou a pombinha nas mãos e esperou que o trem parasse na próxima estação. Viva!!! Liberdade para a pomba... alívio para os usuários.

Ontem foi a vez de uma borboleta. Se eu tivesse uma máquina fotográfica na hora, registraria a presença do bichinho tão delicado e colorido no ferro da porta do trem, do lado de dentro, como quem vai encostado olhando a paisagem. Quando entrou assustou um pouco, mas depois só atraiu olhares silenciosos, talvez até de contemplação. Para nós, a paisagem era ela, de carona em nosso vagão no meio da tarde.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Ambiente Romântico


Desculpe, eu não resisti...rsrsrs. Quem conhece sabe que é a mais pura verdade!


Romântica!!!

O momento em que estamos juntos é interminável...
Nossos corpos estão tão unidos que posso sentir as batidas do seu coração.

Nossa respiração confunde-se com a do outro...

Nossos movimentos são sincronizados...

Indo e voltando...

Para frente e para trás...

Às vezes pára, e então, quando nos cansamos da mesma posição, nos esforçamos para mudar, mesmo que seja só por pouco tempo.

O suor de nossos corpos começa a fluir sem nada que possamos fazer. Um calor enorme parece que nos fará desmaiar...

Uma força ainda maior nos faz ficar ainda mais colados um ao outro e, quando não agüentamos mais segurar...

Uma voz ecoa em nossos ouvidos:
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" Estação Sé, desembarque pelo lado esquerdo do trem".

(Desconheço autoria)

quinta-feira, 17 de maio de 2007

O lugar mais cobiçado


A partir do momento em que entram no trem e se acomodam, todas as pessoas tornam-se displicentes. Todas entregam os pensamentos ao acaso, cada qual com sua direção particular, íntima, passam a divagar, pensamentos soltos em algum lugar, apenas com o corpo avolumado em algum dos cantos dos vagões. E no pouco espaço de sempre, os passageiros inventam o seu canto na medida do que é possível, encontram um local para recostar a cabeça e poder soltar a mente.

Quem senta tem o privilégio de não precisar se encaixar em cantos, apenas adaptar as pernas dobradas em meio às pernas esticadas daqueles que vão em pé, apoiados uns nos outros e nos ferros de segurança. Mas todos, sem exceção, nem mesmo os acompanhados, escapam desse feitiço de trem que leva todos a perderem-se dentro de si mesmos, imersos em seus pensamentos. O rumo não, este não se perde, mesmo quando o retorno é brusco, já parado na estação, sempre dá tempo de descer e voltar à rotina das idéias externas, comuns demais.

Felizes são os que conseguem o predileto e sagrado lugar da janela, o mais cobiçado. Mas esses são poucos e para poucos. Só quem chega primeiro ao trem tem a sorte de sentar-se à beira da paisagem, seja ela feia ou bonita. E isso realmente não importa. Os primeiros lugares a serem ocupados são esses, do canto, que oferecem a quem ali se senta a sensação de estar um pouco mais distante dos demais, um pouco mais reservado, um pouco mais sozinho. O passageiro e a janela. O ar que vem lá de fora, o céu sempre disponível, o infinito. A paisagem que acompanha a viagem parece bem mais amiga daqueles que se sentam na janela, mais próxima, tão maior e sugestiva.

E perdido em devaneios fica até mais fácil reparar certos elementos que passam despercebidos na maior parte do tempo em que se está atento. O desenho das nuvens, as cores que se misturam no céu nos finais de tarde, a variação do verde plantado atrás dos muros, a sonolência das cidades e as luzes de fim de dia que brilham na volta para casa. E tudo isso colabora para a viagem interior que acontece nos trens enquanto se aguarda o destino final. Seja para começar ou terminar o dia, é sob esse efeito que os passageiros de trem vão, mesmo quando lêem, mesmo quando dormem, mesmo quando conversam. É sagrado o momento de distração que faz com que todos fiquem com os olhares perdidos, mergulhados em algo que apenas cada um sabe o que é, porquê e como.

Parece que todos os sentidos se desligam, não há barulho, não há odores, não há visão, nada. Nem a disposição ou a preguiça da manhã, muito menos o cansaço da noite, exercem um poder tão profundo nos usuários do trem quanto esse ar oculto que envolve as pessoas lá dentro e é ainda mais intenso perto da janela. Ela é o alento, o cenário, a escapatória para quem ainda tem de esperar pelo destino, mas voa longe, longe, janela afora.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Colocando o Marketing nos trilhos


Um entra por uma porta, a primeira do vagão, disfarçadamente. O outro entra pela última porta do vagão. Fazem sinal um para o outro de forma discreta, ao que o “um” já começa a gritar:

_ Duas barra de chocolate é 3 Real. Duas pessoal. Essa é de qualidade, você pode ver a validade na embalagem. Só 3 Real.

O outro, lá do extremo do mesmo vagão, dá início à sua parte no plano:

_ Barra de chocolate, é 2 duas por 2 Real. Você leva duas por 2 Real só.


O “um”, com cara de espanto e traição, chega no “outro” dizendo, em um tom alto exagerado:

_ Pô cara, você tá vendendo a 2 Real, eu vento a 3 cara – E o “outro”, com descaso e sarcasmo, grita:

_ Ah meu, cada um faz seu preço. Você tem o seu e eu tenho o meu - E sai andando pelo vagão, gritando e fazendo cara de pouco caso.

O “um” fica por um tempo ali, parado, no meio do vagão, demonstrando grande indignação. Nervoso, manda uma resposta mais “atravessada” ao colega, e fica ali resmungando até que resolve, do nada, pelo tiro de misericórdia:

_ Tá bom! É assim? Cada um faz seu preço? Ok. Então pessoal, pra acabar, eu faço 6, 6 barra de chocolate por 1 Real. É seis pessoal. Nem pra mim, nem pra ninguém. Eu tô indo embora mesmo. Quem vai querer? Você aí vai querer? Já tô indo aí, só um minutinho – e sai, apontando para um coitado qualquer dentro do trem, que serve de bode expiatório para um plano previamente combinado entre os marreteiros. E enquanto isso, o “outro” permanece quietinho ali no canto, assistindo o “um” se arrebentar de vender. Quando o trem pára, eles se olham em código e saem correndo para dar tempo de um entrar por uma extremidade do vagão e o outro pela outra.

E depois? Ah... depois eles repartem o lucro irmanamente da mercadoria que compraram juntos, enquanto os passageiros comentam entre si, em tom de comédia e crítica, a falta de lealdade existente entre os vendedores do trem. “E quase que sai briga”.

E tudo isso acontece naquele curto espaço de tempo que o trem leva para ir de uma estação à outra.


E tem mais


Esse é apenas um exemplo de como os marreteiros usam a criatividade na hora de vender. Ali acontece de tudo, mas também há personagens de todos os tipos. Cada um deles será relatado com cuidado em outros posts, pois realmente merecem.

Nem sempre eles (os marreteiros) estão em dupla. Acontece de um mudar de horário ou de mercadoria. Isso é muito comum e também faz parte da rotina deles. Cada dia eles vendem uma coisa diferente da outra, o produto da moda, o produto ideal para a situação climática do dia ou o “grande achado do atacadão”, que são aqueles produtos de marcas conhecidas e que já caíram no gosto da galera que, vez ou outra, numa promoção “incrível” ou provenientes de fontes duvidosas, podem ser vendidos a 1 Real no trem, ou em quantidades estimulantes. Mas há exceções. Os vendedores de bala, por exemplo, sempre vendem balas e ficam conhecidos por isso, o que nos leva a crer que a bala, por incrível que pareça, é um negócio lucrativo, mesmo sendo vendidas num saquinho por 10 Centavos.

Mas voltando ao caso do marreteiro solitário... Não é a falta de seu parceiro que o faz deixar de aplicar as suas técnicas de marketing no trem. Quando está só, o vendedor joga o preço do preduto lá em cima, muitas vezes absurdo, até que, depois, resolve colocar o preço lá em baixo e multiplicar a quantidade oferecida por aquele valor, usando a desculpa de que é melhor vender barato do que deixar o “Rapa” levar:

_ Óh pessoal, eu vou fazer 4 tabrete por 1 Real. É isso memo, era 1 tabrete, mas vou fazer 4 porque o Rapa tá ali no outro vagão. É melhor vender barato aqui do que deixar o Rapa levar tudo, não é não? Quem vai querer???


Marketing Negativo


Os pedintes também desenvolvem suas técnicas de arrecadação. Além das patologias comumente exibidas no trem, como cegueira, surdez, mutilações, doenças graves como câncer, coração e outras, também servem de pretexto para a esmola, assim como desemprego, fome, filho doente ou desgraça, muita desgraça numa vida só. Mas exibir suas dores e imperfeições não é mais o bastante, pois as pessoas não estão mais caindo em qualquer conversa, por isso cada um desenvolve um diálogo único, particular, para tentar comover os usuários do Trem.

Mas a técnica adotada por uma certa senhora, já bem conhecida na “ala” dos pedintes, não vem dando muito certo.

Ela entra no vagão mancando, arcada, simulando todas as feições de dor e tristeza que sabe, resmungando de leve. Quando está posicionada, ela olha séria para os passageiros e começa a sua “palestra”. Teve todo o tipo de doença existente, foi operada no mês passado, têm dores terríveis, sua vida é um suplício. Sem dizer que, ultimamente, têm apelado a tudo que têm raízes emocionais, como a depressão e a perda. Tem contado que sua mãe morreu, e que essa perda foi o fim da linha em sua vida. E inicia um discurso dolorido sobre a importância de uma mãe e o que esse tipo de perda pode representar para uma pessoa. Mas ela não convence, porque sua expressão é de raiva, de descaso, de mentira. As pessoas não dão bola pra ela, não se comovem, e é aí que ela parte para a “violência”.

Quando percorre todo o vagão e vê que ninguém se importou com suas dores e aflições, ela mira em alguém e começa a acusar, a praguejar, a agourar a pessoa, destinando tais palavras a todos de forma indireta, mas praticamente direta:

_ É, você tá rindo de mim, não é? Tá tirando sarro, achando bonito? Queria ver se fosse você aqui no meu lugar, sentindo as dor que eu sinto, tendo as doença que eu tenho. E você aí? Já pensou que amanhã pode ser você? Nessa vida aqui, tudo tem volta.

E sai, vagão adentro, rogando praga em todo mundo, mas mirando em um, depois em outro. Como se pode ver, os passageiros são constantemente usados como bode expiatório, como no caso contado lá em cima. Bem, e ela não pára:

_ Você ainda tem a sua mãe??? Tem? Então aproveita bem enquanto ela tá viva, porque amanhã ninguém sabe. De uma hora pra outra óh, a vida leva, e você fica chorando porque não fez tudo o que queria por ela, porque não aproveitou e agora não tem mais jeito. E a mãe da gente é ouro, é uma jóia, faz muita falta. Aproveita bem enquanto você tem mãe, e nunca faça pouco dos outro, porque EU sei o que é perder uma mãe e ter essa tristeza no peito. Blá, blá, blá... - Até resolver trocar de vagão e apavorar outras pessoas.

Resultado? Bem, ninguém dá esmola para ela. Um ou outro, os mais medrosos, com pavor da praga rogada, mas confesso que eu nunca vi. Alguém deve dar, senão ela não continuaria agourando os outros por tanto tempo. Ela é bem conhecida entre os passageiros, uma lenda, mas isso não conta nada a seu favor, já que ser conhecida como a “Velha Praguenta” já indica que não é benquista. Além disso, todas as pessoas que eu converso sobre as lendas do trem, manifestam repulsa ao lembrar da senhora mal criada e mal humorada que pede esmolas pragueja Por Esses Vagões.

Esse também é um assunto que pode originar diversos desdobramentos, que eu não vou relutar para postar no Blog.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Dengue não pega Trem!


As campanhas contra a Dengue intensificam-se em todos os segmentos, ainda mais nessa época do ano, quando o calor intenso colabora para a reprodução do inseto. No Trem não poderia ser diferente. Aliás, ainda mais no Trem, onde é jogada uma quantidade absurda de lixo, diariamente. Esse é um dos problemas desse meio de transporte. Ou melhor, de seus usuários.

O brasileiro não tem consciência ambiental. Sabe-se dos perigos do aquecimento global, da escassez da água, do desmatamento e outros problemas, mas não há ação efetiva vinda do povão mesmo, que poderia colaborar consideravelmente nessa luta. Mas as questões básicas como não saber gerenciar seu próprio lixo é coisa grave e muito feia. A coisa mais comum é ver lixo descartado de forma indiscriminada Por esses Vagões.

Tanto marreteiros quanto usuários fazem da “Lata com rodas” uma verdadeira lata de lixo ambulante. As embalagens de tudo que é consumido dentro do Trem acabam sendo jogadas debaixo dos bancos, pelas janelas ou nos vãos das plataformas. Vendedores, ao abrir novas caixas de mercadoria, simplesmente desembalam e jogam no chão, sem nenhum constrangimento. Mães ensinam suas crianças, desde pequenas, a gerenciarem seu lixo de forma errada. A criança, quando está com o papel da bala, do sorvete, do salgadinho nas mãos, pergunta o que fazer e as mamães incentivam a jogarem janela afora. Muitas pessoas, com nível superior até, ao terminarem de comer, jogam, disfarçadamente, o lixo embaixo do banco onde estão sentadas.

Imagine o caso da Paçoquinha... Como dizem os marreteiros: “Uma é dez e dez é um”. Ou seja, com R$1,00 você compra dez paçoquinhas. Agora imagine a embalagem dessas dez paçoquinhas sendo jogadas no chão ou pela janela por cada um que as comprar. Infernal, não? Pois acredite, isso acontece!

Ora, eu não sou obrigada a ficar no meio da sujeira porque as pessoas não sabem gerenciar seu próprio lixo. E a ação, além de feia e nojenta, demonstra a falta de consciência com relação ao meio ambiente. Da falta de noção de que, se cada cidadão que está dentro do trem jogar um papel de bala durante a viagem, tanto o veículo quanto seus arredores, tornar-se-ão intransitáveis. Há quem limpe, claro, mas o desastre está naquilo que não se pode alcançar – incluindo aí a mentalidade do brasileiro.

Como se não bastasse, em muitos locais onde o trem passa, existem casas em estado precário que, construídas à margem da ferrovia, fazem de sua extensão um imenso lixão a céu aberto. Pessoas que não administram a sujeira que produzem e não entendem as consequências danosas que aquilo pode causar ao meio ambiente. Com isso, o odor fica estragado, ratos proliferam – fazendo proliferar também as doenças e epidemias -, o lençol freático pode comprometer-se e o visual é totalmente degradado, entre outros males.

E a Dengue com isso? Bem, cada detrito descartado de forma irresponsável pode se tornar um criadouro do inseto maligno. Tanto daquilo que voa pelas janelas do Trem, quanto ao que é descartado na beira da ferrovia pelas casas e transeuntes. Tudo acaba virando foco da Dengue.

Megaoperação CPTM – o interesse é de todos

A assessoria de imprensa da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) divulgou que desde o dia 30 de março de 2007 a empresa vem realizando uma megaoperação contra a Dengue. Trata-se de uma iniciativa que visa recolher todo o tipo de material reciclável “jogados ao longo dos 270 Km de vias da companhia e que podem se transformar em potenciais criadouros do mosquito Aedes Aegypt”. Com isso, ao menos uma vez por semana haverá um mutirão organizado pela CPTM para recolher a “lixaiada” que se acumula nas linhas e arredores. Já que são recicláveis, todo o material recolhido será doado a uma instituição de caridade.

Como é do interesse de todos que os focos da Dengue sejam destruídos, seria de bom grado contar coma ajuda da população. Não precisa muito, basta que se aprenda que lugar de lixo é no lixo. Isso já ajudaria bastante!

sexta-feira, 16 de março de 2007

No Shopping Trem tem!


O termo “Shopping Trem” nasceu por esse vagões, fruto da criatividade dos próprios vendedores ambulantes que ganham a vida vendendo os mais diversos produtos no trem. A variedade de produtos é tão grande que não poderia mesmo ganhar outra referência. É um misto de guloseimas, artigos de higiene, passatempos, revistas e utilitários mil. Quando você acha que já viu de tudo sendo vendido no trem, eles aparecem com uma novidade. Sem esquecer, é claro, dos pedintes e “artistas” - só esses merecem um capítulo em especial.

Os ambulantes, por sua vez, são mais conhecidos como “Marreteiros”. A polícia, que os persegue incansavelmente, é chamada de “Rapa” - quando eles pegam um marreteiro, rapam tudo sem dó nem piedade. Nessa hora, sobram xingos, revolta (da parte dos marreteiros) e muitos tapas na orelha (pelos policiais, é claro).

No Shopping Trem tem de tudo: balas, chicletes, doces, bolachas (doces e salgadas), salgadinhos, amendoim torrado na manteiga, paçoquinha, pastelzinho, balas de goma, barras de chocolates de todos os tipos, tamanhos e sabores, barras de cereais, castanha de cajú, refrigerante, cerveja, suco, água, Cds e DVDs piratas, caça-palavras e palavras-cruzadas, revistas de culinária (as mais diversas), de Língua Portuguesa, Matemática, tabuada, verbos, significados dos nomes, livros infantis, livros de piada, frases de pára-choque de caminhão, brinquedos, enfeites de cabelo, canetas e lapiseiras, presilhas e elásticos de cabelo, termômetros digitais, alicates de unha, rádio de pilha, ferramentas, fones de ouvido, borrachas para panelas de pressão, cadeados, pilhas, escovas de dente, limão, espremedor de laranjas... e muito, mas muito mais.

E é uma loucura! São, no mínimo, três deles ao mesmo tempo gritando no corredor dos vagões. Homens, mulheres, crianças, idosos, deficientes... todo o tipo de gente, ou melhor, todo o tipo de realidade que não aparece em novelas, filmes e Reality Shows por aí.

quarta-feira, 14 de março de 2007

A vida anda de trem


Há vida nos trilhos, e nem sempre, necessariamente, essa vida está devidamente nos trilhos.

Quem vai e volta de trem, nessa rotina semanal que dura anos para muitos, sabe bem do que estou falando. Só mesmo os usuários do bom e velho trem para contar a infinidade de coisas que acontecem Por esses Vagões.

Por incrível que pareça, o Trem, esse meio de transporte elétrico não poluente, é uma fonte inesgotável de histórias pra se contar. Milhares de pessoas se encontram nele diariamente e vivenciam essa realidade. É a venda de todo tipo de produto lá dentro, discussões por qualquer motivo, disputa pra conseguir sentar, apelo à solidariedade, verdades, mentiras, piadas, defeitos, estilos, compaixão, histórias, fofocas, lugar reservado, lotação, calor, janela quebrada, lixo pela janela ou embaixo do banco, polícia, mas também silêncio, meditação, sono, música, leitura, estudo, cansaço, indiferença, companheirismo – barulho e quietude ao mesmo tempo.

Um dia você ri, no outro chora, e no outro se escandaliza. Há decepção, revolta e exaustão, mas também existe um lado romântico, depende mesmo da forma como se vê. Depende de como você observa tudo isso... quem entra, quem sai, mas principalmente como se entra e como se sai desse meio de transporte que nos “prende” por um bom tempo na ida ao trabalho e na volta para casa.

É por isso que esse Blog não terá regras e frescuras. É um vagão ué... é a história do que acontece nesse estranho, mas útil e muitas vezes injustiçado, Trem nosso de cada dia.

Seja bem-vindo!
Espero que você encontre um lugar vago, de preferência perto da janela, assim poderá olhar dentro e fora do Trem durante essa “viagem”.