terça-feira, 17 de abril de 2007

Colocando o Marketing nos trilhos


Um entra por uma porta, a primeira do vagão, disfarçadamente. O outro entra pela última porta do vagão. Fazem sinal um para o outro de forma discreta, ao que o “um” já começa a gritar:

_ Duas barra de chocolate é 3 Real. Duas pessoal. Essa é de qualidade, você pode ver a validade na embalagem. Só 3 Real.

O outro, lá do extremo do mesmo vagão, dá início à sua parte no plano:

_ Barra de chocolate, é 2 duas por 2 Real. Você leva duas por 2 Real só.


O “um”, com cara de espanto e traição, chega no “outro” dizendo, em um tom alto exagerado:

_ Pô cara, você tá vendendo a 2 Real, eu vento a 3 cara – E o “outro”, com descaso e sarcasmo, grita:

_ Ah meu, cada um faz seu preço. Você tem o seu e eu tenho o meu - E sai andando pelo vagão, gritando e fazendo cara de pouco caso.

O “um” fica por um tempo ali, parado, no meio do vagão, demonstrando grande indignação. Nervoso, manda uma resposta mais “atravessada” ao colega, e fica ali resmungando até que resolve, do nada, pelo tiro de misericórdia:

_ Tá bom! É assim? Cada um faz seu preço? Ok. Então pessoal, pra acabar, eu faço 6, 6 barra de chocolate por 1 Real. É seis pessoal. Nem pra mim, nem pra ninguém. Eu tô indo embora mesmo. Quem vai querer? Você aí vai querer? Já tô indo aí, só um minutinho – e sai, apontando para um coitado qualquer dentro do trem, que serve de bode expiatório para um plano previamente combinado entre os marreteiros. E enquanto isso, o “outro” permanece quietinho ali no canto, assistindo o “um” se arrebentar de vender. Quando o trem pára, eles se olham em código e saem correndo para dar tempo de um entrar por uma extremidade do vagão e o outro pela outra.

E depois? Ah... depois eles repartem o lucro irmanamente da mercadoria que compraram juntos, enquanto os passageiros comentam entre si, em tom de comédia e crítica, a falta de lealdade existente entre os vendedores do trem. “E quase que sai briga”.

E tudo isso acontece naquele curto espaço de tempo que o trem leva para ir de uma estação à outra.


E tem mais


Esse é apenas um exemplo de como os marreteiros usam a criatividade na hora de vender. Ali acontece de tudo, mas também há personagens de todos os tipos. Cada um deles será relatado com cuidado em outros posts, pois realmente merecem.

Nem sempre eles (os marreteiros) estão em dupla. Acontece de um mudar de horário ou de mercadoria. Isso é muito comum e também faz parte da rotina deles. Cada dia eles vendem uma coisa diferente da outra, o produto da moda, o produto ideal para a situação climática do dia ou o “grande achado do atacadão”, que são aqueles produtos de marcas conhecidas e que já caíram no gosto da galera que, vez ou outra, numa promoção “incrível” ou provenientes de fontes duvidosas, podem ser vendidos a 1 Real no trem, ou em quantidades estimulantes. Mas há exceções. Os vendedores de bala, por exemplo, sempre vendem balas e ficam conhecidos por isso, o que nos leva a crer que a bala, por incrível que pareça, é um negócio lucrativo, mesmo sendo vendidas num saquinho por 10 Centavos.

Mas voltando ao caso do marreteiro solitário... Não é a falta de seu parceiro que o faz deixar de aplicar as suas técnicas de marketing no trem. Quando está só, o vendedor joga o preço do preduto lá em cima, muitas vezes absurdo, até que, depois, resolve colocar o preço lá em baixo e multiplicar a quantidade oferecida por aquele valor, usando a desculpa de que é melhor vender barato do que deixar o “Rapa” levar:

_ Óh pessoal, eu vou fazer 4 tabrete por 1 Real. É isso memo, era 1 tabrete, mas vou fazer 4 porque o Rapa tá ali no outro vagão. É melhor vender barato aqui do que deixar o Rapa levar tudo, não é não? Quem vai querer???


Marketing Negativo


Os pedintes também desenvolvem suas técnicas de arrecadação. Além das patologias comumente exibidas no trem, como cegueira, surdez, mutilações, doenças graves como câncer, coração e outras, também servem de pretexto para a esmola, assim como desemprego, fome, filho doente ou desgraça, muita desgraça numa vida só. Mas exibir suas dores e imperfeições não é mais o bastante, pois as pessoas não estão mais caindo em qualquer conversa, por isso cada um desenvolve um diálogo único, particular, para tentar comover os usuários do Trem.

Mas a técnica adotada por uma certa senhora, já bem conhecida na “ala” dos pedintes, não vem dando muito certo.

Ela entra no vagão mancando, arcada, simulando todas as feições de dor e tristeza que sabe, resmungando de leve. Quando está posicionada, ela olha séria para os passageiros e começa a sua “palestra”. Teve todo o tipo de doença existente, foi operada no mês passado, têm dores terríveis, sua vida é um suplício. Sem dizer que, ultimamente, têm apelado a tudo que têm raízes emocionais, como a depressão e a perda. Tem contado que sua mãe morreu, e que essa perda foi o fim da linha em sua vida. E inicia um discurso dolorido sobre a importância de uma mãe e o que esse tipo de perda pode representar para uma pessoa. Mas ela não convence, porque sua expressão é de raiva, de descaso, de mentira. As pessoas não dão bola pra ela, não se comovem, e é aí que ela parte para a “violência”.

Quando percorre todo o vagão e vê que ninguém se importou com suas dores e aflições, ela mira em alguém e começa a acusar, a praguejar, a agourar a pessoa, destinando tais palavras a todos de forma indireta, mas praticamente direta:

_ É, você tá rindo de mim, não é? Tá tirando sarro, achando bonito? Queria ver se fosse você aqui no meu lugar, sentindo as dor que eu sinto, tendo as doença que eu tenho. E você aí? Já pensou que amanhã pode ser você? Nessa vida aqui, tudo tem volta.

E sai, vagão adentro, rogando praga em todo mundo, mas mirando em um, depois em outro. Como se pode ver, os passageiros são constantemente usados como bode expiatório, como no caso contado lá em cima. Bem, e ela não pára:

_ Você ainda tem a sua mãe??? Tem? Então aproveita bem enquanto ela tá viva, porque amanhã ninguém sabe. De uma hora pra outra óh, a vida leva, e você fica chorando porque não fez tudo o que queria por ela, porque não aproveitou e agora não tem mais jeito. E a mãe da gente é ouro, é uma jóia, faz muita falta. Aproveita bem enquanto você tem mãe, e nunca faça pouco dos outro, porque EU sei o que é perder uma mãe e ter essa tristeza no peito. Blá, blá, blá... - Até resolver trocar de vagão e apavorar outras pessoas.

Resultado? Bem, ninguém dá esmola para ela. Um ou outro, os mais medrosos, com pavor da praga rogada, mas confesso que eu nunca vi. Alguém deve dar, senão ela não continuaria agourando os outros por tanto tempo. Ela é bem conhecida entre os passageiros, uma lenda, mas isso não conta nada a seu favor, já que ser conhecida como a “Velha Praguenta” já indica que não é benquista. Além disso, todas as pessoas que eu converso sobre as lendas do trem, manifestam repulsa ao lembrar da senhora mal criada e mal humorada que pede esmolas pragueja Por Esses Vagões.

Esse também é um assunto que pode originar diversos desdobramentos, que eu não vou relutar para postar no Blog.

3 comentários:

Anônimo disse...

Olha, muito bem escrito o seu texto. Mas eu fiz um mais ou menos (Ok, mais pra menos do que pra mais) parecido com o seu que publiquei no meu blog, e JURO que nem vi este texto. As idéias estão no ar...mas que foi coincidência isso foi.
Abr

Anônimo disse...

li a sua materia sobre os marreteiros e tenho certeza que voce faz um relato por algo que imagina ser e não pela verdade ocorrida.É uma pena pois vejo uma pessoa que talvez, tenha estudado muito na faculdade para se formar em jornalismo porém ao divulgar uma matéria em seu blog faz jus somente a suposiçoes eo poucas informações extraídas de outros que, sequer, são marreteiros para dar o depoimento da verdade legitima.É fato, e devo afirmar que muitos marreteiros não trabalham de forma correta utilizando diversas artimanhas para realizar suas vendas, mas ora veja, isso acontece em qualquer esfera onde esteja sendo realizada a venda de um produto. Empresas para vender, utilizam de todo um aparato enganador, com promessas de desconto, brindes, assistencia,etc.., para laçar sua presa, isto é o consumidor. Então o marreteiro, não é diferente; mais ainda porque ele tem que convecer o consumidor que sua mercadoria é muito mais em conta do que aquela que está sendo vendida na loja varejista. Para conseguir o seu produto mais barato o marreteiro se aproveita de todo lançamento disponibilizado nas distribuidoras e não daqueles produtos que nã são desejados pelo púbico como voce afirmou.. Um caso semelhante foi quando a empresa CORE lançou o saquinhos de 100gm das balas icekiss. Por ser um produto novo, as lojas varejistas vendiam a unidade um pouco caro visando um lucro maior. O marreteiro aproveitando o preço reduzido, de lançamento de tais produtos, iam até a distribuidoras e la adquiriam as balas no preço mais barato e aproveitando vendiam em onibus e trem muito mais barato que o comercio varfejista pois muito trabalham com margem menor que 70% de lucro. Bom na verdade eu poderia citar muitas empresas que tiveram seus produtos conhecidos na cidade e São Paulo por trabalho pelo trabalho dos marreteiros mas eu teria que escrever paginas e paginas... Para terminar quero dizer que voce, apesar de boa jornalista, foi infeliz em uma materia que pouco pesquisou.. utilizando de sentimentos próprios para descrever a situação o que é vedado no mundo jornalístico uma verz que o bom reporter tem que ser imparcial.

14 de Novembro de 2008 13:51

Aliz de Castro Lambiazzi **jornALIZta** disse...

RESPOSTA AO SR. ANÔNIMO

Caro Anônimo, é uma pena que não queira se identificar, o diálogo seria ainda melhor se eu soubesse pelo menos o nome da pessoa com quem estou me comunicando. Um e-mail também poderia ajudar, assim eu poderia responder ao seu comentário mais diretamente. Mas não faz mal, quero agradecer por visitar meu blog e por expor nele sua opinião. Agora vamos à resposta:

Vamos deixar claro que o meu blog é livre e não tem relação jornalística. Um blog, por si só, já é um espaço opinativo e, graças a Deus que isso existe. Jornalista nenhum suportaria viver sem poder dar sua opinião. Como não podemos fazer isso nas matérias, então criamos blogs e colocamos neles aquilo que queremos, o que achamos, da forma como vemos e tudo o mais. Há blogs mais voltados para a profissão, eu mesma tenho um, que uso como um tipo de portifolio (embora haja muita coisa opinativa lá também). Com esse tema pitoresco – o trem – não poderia ser diferente. Não tem como ser imparcial quando tratamos de um assunto as vezes polêmico, as vezes cômico, as vezes trágico. Eu criei esse blog para contar histórias vivenciadas dentro do trem e ele é totalmente feito de opinião. Eu realmente não pesquisei para escrever, porque não era essa a minha intenção. Eu apenas quis escrever o que estou cansada de presenciar dentro dos trens.

Por outro lado, o trem é uma fonte inesgotável de pautas, é verdade. Se eu fosse me aventurar em uma matéria sobre o que ocorre dentro dos trens, com certeza apuraria os fatos e me basearia em opiniões de pessoas envolvidas diretamente com o assunto tratado, não me colocando diretamente. Mas como disse, a proposta do meu blog não é essa. Mas esse não foi o caso: eu só contei o que vi e pronto. E era isso mesmo que eu queria. Aliás, vejo em seu relato uma confusão muito grande de informações. Creio que a sua interpretação de texto foi bastante falha em alguns pontos. Por exemplo: não citei no texto que os marreteiros vendem produtos não desejados pelo público. Também não recriminei os marreteiros pelas táticas utilizadas, apenas as relatei, já que são um tanto curiosas para a situação. Portanto, fica a dúvida de onde você pode ter tirado isso.

Vejo que você, se não for marreteiro, é um defensor ferrenho deles, o que não foge à minha curiosidade. Se for isso mesmo, um relato seu, contando a sua história ou um pouco desses bastidores do trem e da vida dos marreteiros, seria bem interessante para o blog, que está aberto a várias opiniões e aos diversos lados que a verdade tem.

Por fim, não posso evitar de dizer algo sobre o jornalismo que ainda ilude muita gente: pregam a imparcialidade na profissão, mas ela não existe em lugar nenhum e nunca existiu. O jornalismo é feito por seres humanos e por isso jamais conseguiria ser imparcial. Esse mito foi vendido desde sempre para o público, mas não passa de mais uma dessas grandes artimanhas da mídia para enganar o cidadão sobre um direito básico dele: informação e comunicação. Quer forma melhor de convencer as pessoas a acreditarem cegamente em tudo que você diz? É uma pena, eu sei, mas não vi até hoje veículo de comunicação imparcial. Não acredite nisso, tá bom?

Um abraço,
Aliz