terça-feira, 13 de maio de 2008

Milho escoltado para dentro do trem

Quase sempre a espera nas estações da linha Esmeralda (Osasco à Grajaú) e as condições de embarque e permanência nos trens nos dão vontade de chorar, chorar muito! Mas nem sempre é assim. Dependendo do seu humor, as adversidades causadas pelos desaforos da CPTM também nos fazem rir.

Bem, já ouvi que rir demais é desespero, e nesse caso pode até ser, mas na sexta-feira passada ajudou a relaxar.

Eu já estava há um bom tempo na estação Villa Lobos – Jaguaré à espera de um espaço em algum daqueles trens. Nada! Sentei e fiquei, afinal, era sexta-feira mesmo... logo tive uma ótima surpresa: encontrei a Silvia, conhecida dos tempos da faculdade, de longos papos no ônibus e na calçada da faculdade. Logo que nos vimos, já emendamos no conversê.

Relembramos muitas coisas dos dias de universitária, mas falamos, principalmente, da CPTM. Desculpe, mas não há como evitar. Estando em uma das piores linhas dessa empresa, dependendo dela pra chegar em casa, estação lotada e vendo vários trens passarem sem conseguirmos entrar, não podíamos mesmo falar sobre outra coisa.

A Silvia, assim como eu, também manda vários e-mails para a CPTM reclamando desse trem. Ela me disse que manda quase todos os dias, e recebe sempre a mesma resposta automática. Dei muitas risadas com ela. “Acho”, disse ela, “que os funcionários da CPTM que respondem a esses e-mails, dão muita risada da cara da gente. Cada vez que chega um e-mail, eles devem rir e dizer um para o outro: ‘olha essa aqui, escreveu isso e isso... ahahahahaha’”, me disse a Silvia.

Comecei a contar para ela as coisas que observo enquanto estou ali na estação esperando por um vagão com espaço. Choramos de rir literalmente, enquanto deixávamos passar vários trens entupidos de gente, afinal, como dizia repetidamente a voz no auto-falante, “por motivos de avaria em material rodante, os trens estavam circulando com velocidade reduzida”. Contei as situações hilárias que presencio de pessoas que fazem de tudo para entrar no vagão. Mas nem precisava contar, testemunhamos mais uma ali mesmo.

Ao nosso lado no banco havia um senhor um saco grande cheio de espigas de milho, bem verdinhas. Cada trem que chegava, o homem levantava e ia até porta, na ilusão de conseguir entrar, ele e seu saco de milhos. Nada! Sem conseguir, voltava ele para o banco ao nosso lado. Depois de uns tantos trens, e a mesma quantia de tentativas vãs dele em ir embora, a situação começou a ficar cômica. A Silvia disse: “esse milho ainda vai com a gente”. Outro trem, nova tentativa, e volta o homem do milho para o banco.

Quando os intervalos entre um trem e outro finalmente diminuíram, parou um e nós sentimos esperança em ir pra casa. O guarda da estação veio correndo e, preocupado, escoltou o milho lá pra dentro – e nós também! “Vamos ver se esse milho consegue entrar agora pessoal?”, dizia ele segurando a porta. Depois dessa, não teve como, o homem do milho entrou, depois minha amiga e depois eu, unidos como estava escrito que ia ser. O homem percebeu, é claro, que ríamos compulsivamente e mencionávamos que, naquele calor humano, o milho poderia virar pipoca ou cozinhar. Depois, sentimos medo da estação Ceasa, onde todo tipo de vegetal entra no trem, mas aquele era mesmo o dia do milho – o único vegetal daquele vagão.

Foi uma longa espera, mas o riso contou a nosso favor. Conseguimos fazer piada da nossa desgraça, como boas brasileiras que somos. Valeu a pena, pois na sexta-feira eu sou outra pessoa.

Urso de pelúcia também usa os trens

Pena não ter filmado. Foi realmente engraçado!

Eu estava na sempre péssima estação Villa Lobos – Jaguaré, aguardando, aguardando e aguardando um trem onde eu coubesse, quando vi chegar o indivíduo. Ele trazia nas costas um urso de pelúcia gigante, desses que iludem criancinhas e as fazem pagar rifas inteiras (eu sei, eu vivia me ferrando nessa). Junto com ele, chegou um trem muito, muito lotado.

O trem parou e, como não conseguia fechar as portas, demorou um tempo na estação. O homem e seu ursão foram passando e observando alguma remota possibilidade de embarque. Ele passou por uma porta e nada. Passou pela outra, nada. Passou pela outra... nada. Ele passava, olhava e fazia uma cara de “não vai dar”.

Eu, sentada no banco ao lado de mais dois homens e outras poucas pessoas ali por perto observávamos atentamente. Mão no queixo, olhos da esquerda para a direita, conforme os passos que carregavam o urso. Nossos pensamentos deviam ser idênticos: “ai ai ai...”. Naquele momento, tudo ficou em silêncio e as atenções estavam todas voltadas ao homem – ou ao urso, mais provavelmente. Até que o homem parou diante de uma porta tomada por corpos e observou analisou.

Muito engraçado a cara do pessoal! As pessoas empaçocadas dentro do vagão olhavam com cara de súplica pra ele, meio que dizendo “não, por favor, não entre”. O homem, por sua vez, fez a cara de “não vai dar” e virou-se levemente para olado, meio que desistindo.

Ilusão! De um pulo só, ele se encaixou em um vãozinho lá dentro, se ajeitou, tudo muito rápido. Foi só risada! Eu, os homens no banco e o pessoal de dentro e fora do trem, não conseguimos resistir. Trágico, mas cômico! E mais engraçado ainda ficou depois, quando chegou a vez de o uso entrar. As pessoas que antes carregavam cara de súplica, naquela hora já haviam se conformado, riam, afinal, o homem ia mesmo com eles, e o urso também. Acabaram ajudando a puxar o urso enorme pra dentro do vagão, que, ao fechar as portas, desceu do teto e ficou prensado no vidro, nos dando tchau.

Foi embora... e nós ali, rindo da tragédia humana.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Rostos



(para aliviar um pouco a hostilidade que a CPTM nos causa)

Rostos


Para dentro do que olham esses rostos?

No que pensam esses olhares perdidos?

A mistura de feições dentro de um vagão de trem me leva a uma viagem por aquelas marcas de expressão. Percorro rugas, sinais de cansaço e até mesmo o liso das peles mais joviais. Sorrisos contidos, sorrisos declarados, sorrisos escondidos, sorrisos sufocados, sorrisos perdidos, sorrisos soltos, sorrisos...

Escondidas mesmo estão as lágrimas que devem rolar em cada uma dessas histórias, libertas em casa, no quarto, ou nem mesmo lá, só na alma. Fora essas gotas de sentimento, quantas coisas mais há dentro desse universo que habita em casa/corpo!

Reparo na distância de pensamento que paira sobre cada um daqueles rostos depois de um certo tempo de viagem. As horas do dia que se acabou ainda estão lá, a rotina, o estar acostumado tomam conta dos semblantes, geralmente nesse mesmo horário, todos os dias.

Uns dormem, realmente se entregam aos encantos de Morpheu. Outros fingem. Outros apenas meditam, pensam, pensam, vão para longe, enquanto uns outros deixam claro que estão tentando esquecer. Nesse momento de observação, parece que a viagem acontece em câmera lenta. Lenta como as piscadelas, os bocejos e o ânimo de cada um.

Como terá sido o dia deles? Como será o chegar em casa para aqueles olhos negros, aquelas mãos calejadas, aqueles pés ao relento, aqueles cabelos encaracolados, aqueles olhos cerrados? Como será que eles vêem o dia de amanhã?

São cheias de beleza essas janelas de pele e poros – quanta história aberta e quantas que nunca serão sequer descobertas, contidas em um mesmo ser! Olhos de maldade, de malícia, de bondade, de sorriso, de vazio, de intensidade se misturam, indo e vindo, no mesmo balanço de trem.