segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O trem me exauriu! Parte I

Uma vida inteira, até agora, andando de trem. Começa que, desde pequena, acompanho o vai-e-vem de trens bem na porta de casa. Fui criada e moro, até hoje, no interior de São Paulo. A nossa chácara lá fica bem de frente com a linha do trem, que eu cresci vendo ir e voltar e balançar a rua quando passava. Eram trens de carga, de passageiros, trens chiques. Não foi no meu tempo, mas tudo começou com a Sorocabana, que pode render um post bem bacana pra cá. Mas tinha também um trem que todo mundo chamava de “Rápido”. Ele era todo prateado e, diziam, cortava muitas e muitas cidades, inclusive Estados. Era um trem de viagem. Nunca o vi por dentro, mas os adultos diziam que “o Rápido era trem chique”. Acenávamos, da rua de terra na beira da linha, para os passageiros quando ele passava. Quase sempre recebíamos “tchauzinhos” de volta.

Um dia esse trem parou de passar. Ficamos com o “trenzinho assassino”. Eram vagões brancos com uma listra vermelha e outra preta cortando o meio, que carregavam passageiros que trabalhavam fora da cidade, estudantes e outros. Um trem circular, digamos. Ele recebeu esse nome feio, “Trem assassino”, porque foram incontáveis as vidas que cessaram com a sua passagem. Meu próprio bisavô morreu atropelado pelo trem, uma vez que lá, até hoje, a gente ainda tem que atravessar a linha pra tudo: ir ao mercado, à padaria, à escola. Um dia, quando eu tinha 7 anos, indo para a escola com a minha mãe, vimos o trem atropelar um menino da minha idade, bem na nossa frente, sem que desse tempo de fazer nada. Quando minha mãe viu que o menino olhava, na beira da linha, para o lado contrário de onde o trem vinha apitando, ela correu muito para puxá-lo, mas não deu tempo. Por um bom período fiquei com aquela imagem gravada na memória.

Mas esse trenzinho não remete apenas a más lembranças. Minha avó materna, que mora perto da capital, sempre ia nos visitar e usava esse trenzinho. Eu ficava esperando por ela na beira da linha, e quando o trem parava eu já a avistava, com seu casado azul de lã e sua bolsinha bege de sempre, vindo. E eu corria ao seu encontro, gritando o seu nome, pendurava em seu pescoço e pegava a sua bolsa. Por quanto tempo fiz isso! Hoje, esta mesma estação continua lá, sob a mesma construção, sendo conservada como patrimônio histórico da cidade. Mas hoje não há mais trens, só projetos assistenciais.

Hoje é engraçado lembrar e fazer essa relação, mas era um saco quando o trem resolvia parar bem quando a gente ia atravessar a linha pra comprar alguma coisa no comércio local. Quantas e quantas vezes tínhamos que pular o trem morrendo de medo que ele começasse a andar bem na hora em que estivéssemos lá empoleirados! Éramos tão bobinhos... os maquinistas paravam ali para almoçar ou tomar café no bar do Germano ou na Padaria (risos), e deixavam o trem impedindo a passagem de quem morava do lado de lá. Eram trens enormes, encompridados por muitos e muitos vagões de carga.

Era uma aventura! Para ir até Osasco, trocávamos de trem três vezes, e nem sempre era preciso pagar passagem, pois naquele tempo não havia catraca, e sim o chefe do trem que passava picotando os papéis. Lembro de gente que ficava alternando entre os vagões só para escapar do chefe, viajando sempre sem pagar. Era um trem de estudantes que, por incrível que pareça, saíam dessas cidades que rodeavam São Paulo, como Barueri, Carapicuíba, Osasco, e iam até São Roque, à noite, para estudar no Curso Normal, hoje Ensino Médio, em escolas públicas que tinham um processo seletivo concorridíssimo, como era a Escola Horácio Manley Lane em seus tempos áureos. Minha mãe participou dessa aventura, trabalhando em São Paulo e cursando Magistério em São Roque. Ela me contava que, por muitas noites, ficava presa no trem junto a outros estudantes, pois os atrasos naqueles tempos duravam horas. Não foram poucas as vezes que ela chegava em casa com o dia amanhecendo, com tempo apenas de tomar banho e seguir para o trabalho novamente. Foi assim que ela conheceu meu pai e, muitos anos depois, trocou a metrópole pelo interior, mas sem jamais perder a sofisticação.

De repente eu cresci e o interior foi se tornando um refúgio, um lugar mágico que a minha consciência, antes, não reconhecia, mas sem oportunidades de trabalho e estudo. Minha mãe, que já era da cidade grande, me proporcionou viver entre esses dois mundos até que eu ficasse encantada com a Capital e sonhasse com um lugarzinho ao sol por lá. Mas nessa época já não havia mais o trem. O tempo e a ampliação da circulação das linhas de ônibus entre as cidades tirou desses trilhos o prateado “Rápido”, e depois também o trenzinho de passageiros. Até os trens de carga da Votorantin e outras grandes empresas históricas naquela região - que as vezes tombavam e faziam a festa para as famílias que corriam para a linha catar algodão, trigo, arroz e tudo o mais - são raros. Os trilhos estão tomados por ferrugem e mato, nem lembram mais aquela estrada de ferro de épocas gloriosas e movimentadas por onde passavam os trens que nos reluziam e para os quais nós, as crianças, acenavam em troca de apitos dos maquinistas. Ainda se vê alguns trens de carga passando, mas quase nem são mais percebidos. A linha de trem morreu e, que pena, nem virou história.

Bem quando os jovens do interior são obrigados a tentar a vida na Capital e nas grandes cidades em volta não temos mais à disposição a praticidade do trenzinho. Para ir e vir de lá pra cá, como transporte público, temos apenas ônibus e seus atrasos e condições questionáveis. Sim, hoje os horários são bem melhores do que antigamente, além da opção de ônibus direto para São Paulo, mas o trem, em termos de custo e praticidade, seria uma mão na roda neste momento em que é grande o número de estudantes e trabalhadores que fazem o caminho inverso ao de antigamente.

Mesmo assim eu não escapei. Fui para a capital estudar e trabalhar e, lá, não pude evitar: o trem, mesmo que a partir de um trecho em diante, era a melhor e mais barata opção. Muita gente faz isso: sai cedo do interior de ônibus, vai até a cidade de Itapevi, e lá pega o bom e velho trem (mais destaque para o adjetivo velho). E é a partir daí, já na minha condição de passageira dependente desse trem lotado, que a minha visão romântica sobre esse meio de transporte começou a se transformar...Justificar

Essa história continua, tá bom?

6 comentários:

Unknown disse...

Oba, Oba, Oba !!!

Então não é que revirando o Balaio do Kotscho encontrei esse trem?
Quem disse que os trens acabaram ? Eu também tenho um nesse endereço:
http://optremdastreze.blogspot.com/
É de lá que viajo pelo mundo contando minhas histórias e dfendendo ideologias exóticas e que a partir de agora passo a contar comtigo entre os meus favoritos.
Favorita pela tua doce forma de expor angustias que nem são tão assim.
Passeie por lá, me de a honra de uma visitinha !!!
Enio (lá do fundo embriagado do Balaio do Kotscho).

Anônimo disse...

Minina?

Você tá cada dia melhor !

Parabéns !

Vai fundo e a gente vai pegando carona no seu trem!

beijo prô cê Minina!

Tio Maneco
Manoel Ferreira

Anônimo disse...

Falando em trem?

Deixo este pedaço de prosa aqui procê!

Aliz, meu anjo, fazem isto uns quase cinquenta anos eu acho, foi lá por volta do final da década de 1.950! Antes da Copa, a de 58, Pelé, Garrincha, etc...

Sempre acreditei que quando a gente deixa um lugar para ir para um outro, que deveria me concentrar somente para onde eu estava indo, e nunca de onde estava saindo, para não esmorecer!

Pois partir significa ir para outro lugar!

Agora sair, puxa que coisa difícil , eu acho que sair, seria deixar, abandonar, abdicar de tanta história boa para trás, coisas do coração, que os olhos não entendem!

Aliz, eu espero que não passe por isso novamente, ninguém é dono do seu destino, compete a cada um fazer bom uso de sua mente e corpo, mas o tempo é implacável, aliás isto me lembra das promessas que fiz a uns quarenta e tantos anos atrás, quando um dia sai lá da minha terrinha que tanto amo e cruzei a ponte do Panema ? ( Rio Paranapanema, faz divisa de São Paulo com o Paraná!)

Naquele dia, olhando o outro lado na margem do Panema, enganei a mim mesmo, era tudo mentira, promessas impossíveis de serem cumpridas, mas a fumaça da locomotiva naquela curva!

Esta foi a minha especialidade: Coisas impossíveis, as vezes detesto ser assim, eu complico tudo, quero tudo no lugar, sei que estou meio errado no contexto, mas é a minha verdade!

Então é claro eu nunca consegui voltar, e as raras aparições que fiz esporádicamente não contam!

Viajei muita no trem de prata, e também nos onibus da Garcia ! Mas que nem a Maria Fumaça? Depois as Locomotivas à Óleo Diesel, enfim eu sei o que você quiz passar sobre o trem!


Fico as vezes imaginando, e tento lembrar como eram os rostos de cada um dos passageiros que saltaram conosco naquela manhão fria na Sorocabana, o mêdo de cada um, a expectativa de um novo mundo? e nós, ali no meio de tudo e completamente perdidos na multidão!

veja que interessante, tudo isto foi há tanto tempo, mas lembro como se fosse hoje,a garôa, o viaduto Santa Efigênia, o Chá, que eu acho que era gratuíto e distribuído no Viaduto com seu nome, o Bonde, a Pça.João Mendes os trilhos que saudades!

E tudo isto começou ao subir os degraus do trem, e nunca mais parou, é isso aí, boas lembranças me trouxeram o seu trem!

Tchau minina!

Fique com Deus

Manoel Ferreira

Aliz de Castro Lambiazzi **jornALIZta** disse...

Ao "Tio Maneco", ou Manoel Ferreira:

Oiê! Que alegria contar com sua visita mais uma vez e em outro blog meu. Volte sempre!
Mas eu tenho duas perguntas pra te fazer que estão me consumindo!!!

1) Você não tem nenhum blog???
2) Se não tem, me dá seu e-mail?

Seria espantoso saber que você não mantém nenhum blog. Você gosta de escrever e se expressa muito bem, fala ao coração das pessoas. Um blog seu faria muito sucesso.

Aguardo (ansiosa) a sua resposta.
Beijos.

Unknown disse...

Minha Cara Aliz

Aguardo ansioso "o trem TE exauriu! Parte II", será que te exauriu tanto assim? "Vamu" lá menina, voce é brilhante no trato com a escrita !!!

P.S. Obrigado por vez em quando visitar aquele mwu "antro", é sempre uma imensa alegria receber teus comentários exagerados mas estimulantes.

um Beijo!!!

Anônimo disse...

Olá companheira do imaginário. Eu vou neste trem.

Veja http://olhosdosertao.blogspot.com/ e participe.
Abraços.
Luís Moreira