_ Duas barra de chocolate é 3 Real. Duas pessoal. Essa é de qualidade, você pode ver a validade na embalagem. Só 3 Real.
O outro, lá do extremo do mesmo vagão, dá início à sua parte no plano:
_ Barra de chocolate, é 2 duas por 2 Real. Você leva duas por 2 Real só.
O “um”, com cara de espanto e traição, chega no “outro” dizendo, em um tom alto exagerado:
_ Pô cara, você tá vendendo a 2 Real, eu vento a 3 cara – E o “outro”, com descaso e sarcasmo, grita:
_ Ah meu, cada um faz seu preço. Você tem o seu e eu tenho o meu - E sai andando pelo vagão, gritando e fazendo cara de pouco caso.
O “um” fica por um tempo ali, parado, no meio do vagão, demonstrando grande indignação. Nervoso, manda uma resposta mais “atravessada” ao colega, e fica ali resmungando até que resolve, do nada, pelo tiro de misericórdia:
_ Tá bom! É assim? Cada um faz seu preço? Ok. Então pessoal, pra acabar, eu faço 6, 6 barra de chocolate por 1 Real. É seis pessoal. Nem pra mim, nem pra ninguém. Eu tô indo embora mesmo. Quem vai querer? Você aí vai querer? Já tô indo aí, só um minutinho – e sai, apontando para um coitado qualquer dentro do trem, que serve de bode expiatório para um plano previamente combinado entre os marreteiros. E enquanto isso, o “outro” permanece quietinho ali no canto, assistindo o “um” se arrebentar de vender. Quando o trem pára, eles se olham em código e saem correndo para dar tempo de um entrar por uma extremidade do vagão e o outro pela outra.
E depois? Ah... depois eles repartem o lucro irmanamente da mercadoria que compraram juntos, enquanto os passageiros comentam entre si, em tom de comédia e crítica, a falta de lealdade existente entre os vendedores do trem. “E quase que sai briga”.
E tudo isso acontece naquele curto espaço de tempo que o trem leva para ir de uma estação à outra.
E tem mais
Esse é apenas um exemplo de como os marreteiros usam a criatividade na hora de vender. Ali acontece de tudo, mas também há personagens de todos os tipos. Cada um deles será relatado com cuidado em outros posts, pois realmente merecem.
Nem sempre eles (os marreteiros) estão em dupla. Acontece de um mudar de horário ou de mercadoria. Isso é muito comum e também faz parte da rotina deles. Cada dia eles vendem uma coisa diferente da outra, o produto da moda, o produto ideal para a situação climática do dia ou o “grande achado do atacadão”, que são aqueles produtos de marcas conhecidas e que já caíram no gosto da galera que, vez ou outra, numa promoção “incrível” ou provenientes de fontes duvidosas, podem ser vendidos a 1 Real no trem, ou em quantidades estimulantes. Mas há exceções. Os vendedores de bala, por exemplo, sempre vendem balas e ficam conhecidos por isso, o que nos leva a crer que a bala, por incrível que pareça, é um negócio lucrativo, mesmo sendo vendidas num saquinho por 10 Centavos.
Mas voltando ao caso do marreteiro solitário... Não é a falta de seu parceiro que o faz deixar de aplicar as suas técnicas de marketing no trem. Quando está só, o vendedor joga o preço do preduto lá em cima, muitas vezes absurdo, até que, depois, resolve colocar o preço lá em baixo e multiplicar a quantidade oferecida por aquele valor, usando a desculpa de que é melhor vender barato do que deixar o “Rapa” levar:
_ Óh pessoal, eu vou fazer 4 tabrete por 1 Real. É isso memo, era 1 tabrete, mas vou fazer 4 porque o Rapa tá ali no outro vagão. É melhor vender barato aqui do que deixar o Rapa levar tudo, não é não? Quem vai querer???
Marketing Negativo
Os pedintes também desenvolvem suas técnicas de arrecadação. Além das patologias comumente exibidas no trem, como cegueira, surdez, mutilações, doenças graves como câncer, coração e outras, também servem de pretexto para a esmola, assim como desemprego, fome, filho doente ou desgraça, muita desgraça numa vida só. Mas exibir suas dores e imperfeições não é mais o bastante, pois as pessoas não estão mais caindo em qualquer conversa, por isso cada um desenvolve um diálogo único, particular, para tentar comover os usuários do Trem.
Mas a técnica adotada por uma certa senhora, já bem conhecida na “ala” dos pedintes, não vem dando muito certo.
Ela entra no vagão mancando, arcada, simulando todas as feições de dor e tristeza que sabe, resmungando de leve. Quando está posicionada, ela olha séria para os passageiros e começa a sua “palestra”. Teve todo o tipo de doença existente, foi operada no mês passado, têm dores terríveis, sua vida é um suplício. Sem dizer que, ultimamente, têm apelado a tudo que têm raízes emocionais, como a depressão e a perda. Tem contado que sua mãe morreu, e que essa perda foi o fim da linha em sua vida. E inicia um discurso dolorido sobre a importância de uma mãe e o que esse tipo de perda pode representar para uma pessoa. Mas ela não convence, porque sua expressão é de raiva, de descaso, de mentira. As pessoas não dão bola pra ela, não se comovem, e é aí que ela parte para a “violência”.
Quando percorre todo o vagão e vê que ninguém se importou com suas dores e aflições, ela mira em alguém e começa a acusar, a praguejar, a agourar a pessoa, destinando tais palavras a todos de forma indireta, mas praticamente direta:
_ É, você tá rindo de mim, não é? Tá tirando sarro, achando bonito? Queria ver se fosse você aqui no meu lugar, sentindo as dor que eu sinto, tendo as doença que eu tenho. E você aí? Já pensou que amanhã pode ser você? Nessa vida aqui, tudo tem volta.
E sai, vagão adentro, rogando praga em todo mundo, mas mirando em um, depois em outro. Como se pode ver, os passageiros são constantemente usados como bode expiatório, como no caso contado lá em cima. Bem, e ela não pára:
_ Você ainda tem a sua mãe??? Tem? Então aproveita bem enquanto ela tá viva, porque amanhã ninguém sabe. De uma hora pra outra óh, a vida leva, e você fica chorando porque não fez tudo o que queria por ela, porque não aproveitou e agora não tem mais jeito. E a mãe da gente é ouro, é uma jóia, faz muita falta. Aproveita bem enquanto você tem mãe, e nunca faça pouco dos outro, porque EU sei o que é perder uma mãe e ter essa tristeza no peito. Blá, blá, blá... - Até resolver trocar de vagão e apavorar outras pessoas.
Resultado? Bem, ninguém dá esmola para ela. Um ou outro, os mais medrosos, com pavor da praga rogada, mas confesso que eu nunca vi. Alguém deve dar, senão ela não continuaria agourando os outros por tanto tempo. Ela é bem conhecida entre os passageiros, uma lenda, mas isso não conta nada a seu favor, já que ser conhecida como a “Velha Praguenta” já indica que não é benquista. Além disso, todas as pessoas que eu converso sobre as lendas do trem, manifestam repulsa ao lembrar da senhora mal criada e mal humorada que pede esmolas pragueja Por Esses Vagões.