quarta-feira, 23 de abril de 2008

Pregação aos pregados


É proibido pregar a palavra no trem. Também é proibido vender, pedir e fumar, e da mesma forma que essas regras são quebradas por muitos, a pregação religiosa também corre solta trilho vai, trilho vem.

Não estou querendo entrar em uma discussão religiosa. Não que eu ache que esse assunto, assim como política e futebol, não se discute, porque isso é desculpa de medroso. O caso aqui é a falta de respeito em nome de Deus.

Sou uma pessoa de fé, acredito em Deus e na força que ele representa, e acredito em muitas outras coisas que não podemos ver, mas aqui dentro de mim, e basta. Não acredito em religiões e tampouco em pessoas que se dizem porta-vozes da verdade, da razão e da decência. Eu acredito em princípios, em valores humanos, na autonomia e na liberdade, sobretudo. Eu acredito e adoro o livre arbítrio. Vejo com péssimos olhos as pessoas que invadem os vagões, seja em qual horário for, para gritar aos passageiros, sem o consentimento deles, o que é certo e o que é errado em uma concepção que é só deles. A minha realidade e a minha forma de ver e entender o mundo são as únicas que podem me guiar nas verdades e mentiras desse aprendizado que é nascer, viver e morrer.

Geralmente acontece no fim do dia, naquele horário certeiro em que a maioria sai do trabalho e está louco para chegar em casa. No vagão sempre lotado, desconfortável e, quando não atrasado, berrando em nome de Deus, se intitulando enviado por ele para ensinar aos “irmãos” tudo que ele aprendeu e que nós, almas perdidas e destinadas ao inferno, não “sabemos”.

Me revolta a falta de respeito que esses pregadores sem noção têm com todos nós, trabalhadores exaustos e livres. Porque ele pode entrar e gritar por dezenas de minutos em nossos ouvidos, nos julgando, apontando o dedo na nossa cara? Ora, se ele quer ter o direito de falar pra todo mundo, deveria respeitar o direito que todos nós temos de não querer ouvir. Eles gritam e se inflamam no meio do vagão, vão e voltam, de uma extremidade à outra, encenam, choram, riem, cantam... e a gente lá, com vontade de esganar o sujeito, mas tendo que ouvir quieto, senão é capaz de ser confundido com algum ateu, herege ou sei lá o que – como se isso fosse pecado também, né.

Alguns, pelo menos, falam durante uma ou duas estações, no máximo três, e depois vão atormentar outros passageiros, mas há uns pastores ou pseudo-pastores que vêm gritando e se enaltecendo da estação Barra Funda até Itapevi! Ah... isso é demais!!!

Todo mundo pregado, louco pra chegar em casa, com fome, com tudo, e tendo que ouvir sermão de uma crença que nem é a de todos os presentes? Pôxa vida, se eu me identificasse com essa filosofia, iria até ela, mas não, eles querem forçar todo mundo a acreditar no que eles dizem e também se esforçam para fazer com que nos sintamos os maiores pecadores imundos do universo. Sai pra lá!

Muitas pessoas se acumulam dentro de cada vagão, e cada uma delas têm uma crença, segue uma bíblia diferente. Há, também, os que não acreditam em nada, e daí? Porque nós temos que respeitar a crença dos evangélicos e eles não têm que respeitar a nossa? Essa é primeira denúncia de tanta incoerência nesse discurso irritante.

Quando entra um vendedor, mesmo sendo proibido, você tem a escolha de comprar ou não. A mesma coisa é com os pedintes: dá esmola se quiser. Todos irritam, principalmente quando o trem está lotado (como sempre) e você ainda tem que ficar se dobrando pra dar espaço aos vendedores, seus isopores, pedintes, suas bengalas e por aí vai. Mas me irrita mesmo a falta de consideração religiosa que teima em invadir o trem, invadir a ideologia de cada um e o Deus que governa cada uma daquelas vidas. Na verdade, acho que me ofende ver alguém usando o MEU Deus dessa forma. Ninguém é obrigado a viajar cansado, pregado mesmo, com uma matraca histérica e fanática que não respeita aqueles a quem chama de irmãos. Eu quero que a minha crença e o meu espaço sejam respeitados, só isso!

E olha que eu não citei os cantores e suas violas toscas, hein. Essa eu vou deixar para a próxima.

Nenhum comentário: