Eu fico olhando os pés de ameixa, amarelos que estão de tão carregados, na beira da linha na estação de Presidente Altino e minha boca enche d’água. As ameixas me fazem lembrar da infância, quando o quintal era diferente do que é agora e a nossa ameixeira ainda ficava de frente para a porta da cozinha. Ela vivia carregada como essas da estação, e nós vivíamos debaixo dela. Ao mesmo tempo em que saboreávamos, brincávamos. A minha balança de corda e tábua ficava amarrada naqueles galhos, e lá podíamos voar bem alto.
Parece que leram meus pensamentos. Outro dia vi dois funcionários da CPTM parados embaixo delas sentindo esse gosto de interior que só quem já viveu sabe. De um pé ao outro eles iam experimentando, tão amarelinhas, as ameixas que eu fico namorando de cima da plataforma. Um deles foi mais longe, queria as do alto. Não pensou duas vezes: agarrou-se nos galhos e subiu, sumiu por entre as folhas e lá ficou, se mexendo e se deliciando com as ameixas maduras em meio a um lugar que, sem elas, parecia tão frio e impessoal. De repente, ficou parecendo o quintal de casa, naquele tempo...
Poucos dias depois, vi que não é só minha e do pessoal da CPTM a vontade das ameixas. Três moços que acabavam de chegar à estação, de frente para as ameixeiras, manifestaram a mesma vontade. “Vamos lá comer ameixa? Olha quantas!”. Eles já estavam quase pulando para a linha. Irresistível mesmo! Um pé já estava pendurado para o lado de fora do concreto. Queria eu seguir esse impulso... mas nem eles seguiram, e assim como eu, ficaram na vontade, intimidados pela presença do azulzinho (o guarda da estação), que olhava de longe. Sim, seria uma infração pular, mesmo que seduzidos pelas ameixas simplesmente, mas eu garanto que ele entendeu aquela vontade.
O trem chegou. Mais uma vez vou embora com a lembrança do gosto de ameixa na boca e no coração. E elas, amarelas, despedem-se, saborosas e poéticas, de quem olha pela janela. Os trens da capital carregam mais pessoas do interior do que se imagina.